Getúlio Vargas, gaúcho, político e advogado, nasceu em 1882 e cometeu suicídio em 1954. Talvez tenha sido um dos homens públicos mais controversos do Brasil, despertando ódios e paixões em parcelas variadas da sociedade brasileira. Esses sentimentos superaram os anos, as décadas e ainda hoje é possível debater a figura e a atuação de Vargas no cenário político brasileiro.
Foi, além de Presidente do Brasil, Deputado Estadual e Federal, Senador, Governador e Ministro.
Sua trajetória política foi conturbada e seu nome deu início a um importante período da História: A Era Vargas, que se estendeu de 1930 até 1954, passando por um hiato entre os anos de 1945 até 1951.
A chegada ao poder
Na 12ª eleição presidencial do Brasil verificava-se um eleitorado bastante reduzido. Votavam apenas 5,6% da população, já que o voto era restrito a homens adultos e alfabetizados.
As eleições que ocorreram no dia 1º de março de 1930 marcaram o fim da era da Política dos Governadores, ou seja, dos arranjos que garantiam a eleição apenas de membros alinhados com o Executivo. Além disso, colocava fim também à política de alternância entre membros do PRP (Partido Republicano Paulista) e PRM (Partido Republicano Mineiro), a famosa “política do café com leite”.
Naquele ano, Washington Luís, então Presidente, insistiu na candidatura de Júlio Prestes para o cargo maior da República. Júlio era político de São Paulo e, pela lógica da alternância entre os partidos dominantes da cena política, essa era a vez do cargo ser dado a um político de Minas Gerais. Washington ignorou tal fato e foi o homem forte da candidatura de Júlio Prestes.
Mas o que levou Washington Luís a romper com um sistema que funcionava tão bem para os altos escalões da política nacional? Duas versões são conhecidas: a 1ª era a de que Washington Luís era avesso a negociações, ou seja, não acreditava na política conciliatória e pretendia ter o controle pleno da situação. Isso seria muito mais fácil e rápido se seu sucessor fosse um homem que se submetesse a ele. A 2ª teoria dá conta do grande crescimento do estado de São Paulo. Aquela já era a terra de maior destaque da federação, e certamente, seria a primeira a se desvencilhar da “alma” estritamente agrária que vigorava sobre o país.
Com o fim, então, da alternância, a chapa de oposição foi mantada a partir da união dos estados de Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul, que formaram a Aliança Liberal. Concorreram às eleições contra Júlio Prestes, Getúlio Vargas e João Pessoa para os respectivos cargos de Presidente e Vice Presidente.
O programa político da Aliança Liberal apostava na modernização do país, no impulso à industrialização e na incorporação de novos setores sociais na vida republicana. Havia também um claro enfretamento à problemática social, com propostas para a diminuição da jornada de trabalho para oito horas semanais, férias, salário mínimo e proteção ao trabalho infantil e feminino. Mais tarde esse programa social seria incorporado à política de Vargas de maneira muito mais incisiva.
Essa proposta política foi colocada ao país através das caravanas liberais, que eram como os brasileiros conheciam os comícios da Aliança. Entre os organizadores estavam jovens militantes que erguiam bandeiras de cunho mais popular.
O resultado das eleições evidenciou a força da situação. Júlio venceu o pleito dominado por irregularidades de todos os lados, já que inexistia um órgão responsável pela regulação eleitoral. Vargas, no entanto, chega a aceitar o resultado das urnas, retornando ao governo do Rio Grande do Sul. O mesmo não ocorreu com políticos e lideranças políticas mais jovens, que bradavam pelo golpe armado. Segundo eles, Júlio venceu nas urnas, mas Getúlio ganharia nas armas. Nesse cenário de iminente conflito, a Aliança Liberal recebeu o apoio dos tenentes, setor militar cansados de sua posição de ostracismo na política nacional. O maior mito desses tenentes, no entanto, Luís Carlos Prestes, líder da famosa Coluna Prestes, recusou a liderança militar da Aliança.
Um ponto chave, que serve de estopim para o movimento armado que já se desenhava, foi o assassinato de João Pessoa, no Recife. O político recebeu três tirou enquanto tomava chá na Confeitaria Glória. Seu assassino, João Dantas, foi preso em flagrante e negou motivações políticas para o crime. Na verdade, o escritório do advogado Dantas tinha sido revirado tempos atrás com a autorização do governo Pessoa e alguns documentos vazaram para o jornal local “A União”. Entre os papéis, cartas de amor entre o advogado e a professora, poeta e feminista, Anayde Beiriz, que acabou se suicidando após o escândalo.
Mas não importava. A morte de João Pessoa elevou o grau de acirramento político e deu vida ao movimento armado. O assassinato também causou comoção nacional. No velório, o deputado Maurício Lacerda agarrou o microfone e acendeu o pavio da rebelião:
No esquife [caixão] que aí vedes, não está o corpo de um grande cidadão, mas o cadáver da nação! [...] Vós, gaúchos e mineiros, vinde cumprir vossa promessa. O povo está disposto a morrer pela liberdade!
Citado por MEIRELLES, Domingos. "1930: os órfãos da revolução". Op. cit. p. 532 in SCHWARCZ, Lilia M. e STARLING, Heloisa M. "Brasil: um biografia".
Em 3 de outubro de 1930 tem início a revolta civil e militar simultaneamente nos estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Com algumas horas de atraso, o estado da Paraíba também adere ao levante.
No dia 10, Washington Luís informa ao povo brasileiro o que todos já sabiam: seu governo estava por um fio e enfrentava uma revolta.
'Eu não renuncio. Só aos pedaços sairei daqui'.
Idem p. 619
A bravata não durou muito tempo. Em 24 de outubro já estava deposto, encaminhado primeiro ao Forte de Copacabana e depois ao exílio, na Europa.
Vargas chegava ao poder como líder da revolta. Iniciou, em 1930, um governo marcado por divergências e mudanças de posição. Sua gestão é convencionalmente dividida em três fases:
Governo Provisório -1930-1934
Governo Constitucional – 1934-1937
Estado Novo – 1937-1945
Ao assumir o governo provisório, Vargas destituiu líderes políticos de oposição e nomeou interventores, ou seja, pessoas de confiança do governo para intervirem em setores políticos. Esse primeiro momento do governo foi marcado pelo centralismo e pelo autoritarismo.
O intervencionismo atingiu a economia. A política de defesa do café foi assumida pelo Estado. Como os estoques ainda eram exagerados, o governo autorizou a queima do produto. Em 1931, eram queimadas, por dia, cerca de 10.000 sacas de café. O governo era o responsável pela compra do excedente e pela sua queima.
Como o modelo monocultor do Brasil já apresentava problemas quanto à desvalorização do produto em mercados externos, Vargas buscou ampliar a diversificação da economia incentivando a industrialização. Até 1930, o país contava com apenas 14.727 indústrias. Já entre os anos de 1930 e 1940, o número era bem maior: 49.418.
Outras medidas econômicas adotadas pelo governo foram: Limitação das importações (protecionismo alfandegário); Crédito fácil aos industriários (via Banco do Brasil); Corporativismo (cabia ao Estado controlar e fiscalizar empregados e empregadores, garantindo “harmonia” entre a burguesia e o operariado – esse período garantiu alguns direitos sociais aos trabalhadores); nacionalismo econômico (criação de estatais em setores estratégicos à soberania nacional).
Novos ministérios também foram criados como os da Saúde, Educação e Trabalho. O voto passou a ser secreto e obrigatório e também garantido às mulheres; a justiça eleitoral começou a funcionar.
Em 1932 estoura a Revolução Constitucionalista em São Paulo. A elite paulista, órfã do sistema que predominou durante toda a República Velha, lançou um manifesto favorável à Constituição do país e contra o intervencionismo do Estado na economia. Alguns conflitos ocorreram e a morte de quatro estudantes foi usada como mola sentimental para a ampliação do movimento.
As iniciais dos quatro mortos foram utilizadas como assinatura nos documentos e panfletos do movimento. Os mortos chamavam-se Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Em 3 de outubro do mesmo ano, os paulistas se rendem frente à força do Governo Federal. Algumas lideranças são exiladas e outras obtêm o indulto do governo.
Algumas questões são omitidas dos livros didáticos. Uma delas é a participação maciça de negros no movimento Constitucionalista em 1932. A Legião Negra foi um grupo formado por negros que lutavam ao lado dos paulistas na revolução. [
Leia aqui um bom texto sobre esse assunto]
O governo Constitucional de Vargas
As principais alterações no quadro político a partir do início do governo Constitucional foram: a elaboração da nova Constituição do país (mais centralizadora); a forma de eleição do Presidente da República seria indireta, onde a nomeação seria dada pela Assembleia Constituinte, sem direito à reeleição.
Destaque importante precisa ser dado à ampliação do quadro de confronto ideológico. De um lado, organização a Ação Integralista Brasileira (AIB); de outro, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). As diferenças entre as duas são grandes, veja:
A AIB tinha inspiração fascista e pregava um Estado autoritário, antiliberal, antidemocrático, unipartidário e ultranacionalista. Seu lema era “Deus, Pátria e Família” e seu líder, Plínio Salgado.
Já a ANL era uma reunião de grupos ligados aos socialistas, comunistas e democráticos. Foi fundada em 1935 e tinha em Luís Carlos Prestes o seu presidente. Defendia, entre outras questões, a nacionalização de empresas estrangeiras, o cancelamento da dívida externa, o combate ao latifúndio e a reforma agrária. Foi colocada na ilegalidade em 1935, sendo reprimida brutalmente após o levante comunista de 1935, conhecido como Intentona Comunista.
O governo ditatorial: O Estado Novo
O pretexto para Vargas continuar no poder mesmo após o final de seu mandato constitucional foi um suposto plano elaborado pelos comunistas para invadir o Brasil. O Plano Cohen foi forjado com a ajuda dos Integralistas e garantiu a suspensão, com o apoio do alto comando das forças armadas, a eleição presidencial marcada para 1938.
Ao criar um inimigo, Vargas conseguiu dissolver o Congresso Nacional, destituir governadores de oposição e outorgar uma nova Constituição, a de 1937 conhecida pelo nome de Polaca, já que se inspirou na Constituição da Polônia, à época, um autoritário. Estava inaugurado um Estado autoritário conhecido como Estado Novo.
Muitas mudanças foram colocadas em vigor, todas de cunho centralizador. Por exemplo: o governo passou a controlar as lideranças estaduais por meio de interventores; o Estado passou a estabelecer a censura para limitar as manifestações públicas, além de proibir e fechar sindicatos (órgãos de classe só poderiam existir se fossem autorizados e atrelados ao governo); proibiu greves; controlou a educação e as manifestações culturais; consolidou as Leis do Trabalho, idealizada a partir da Carta del Lavoro, documento fascista de 1926; criou o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda com o objetivo de fiscalizar e controlar os meios de comunicação; criou a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em 1941, e a CVRD (Companhia vale do Rio Doce), em 1942; entrou na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados.
Sobretudo esse último ponto – a entra na guerra ao lado dos Aliados – revela as contradições internas do governo Vargas. Ao mesmo tempo em que assumia uma postura fascista em relação ao controle do comportamento social, auxiliou no combate ao nazismo e ao fascismo ao longo da Segunda Guerra. Com a vitória dos Aliados em 1945, o mundo passou a viver uma onde democrática e a ditadura do Estado Novo perdeu sua razão de existir.
A “transição democrática”
Terminada a Segunda Guerra, o Brasil viu caminhos para reestabelecer a democracia interna. Para trilhar esse caminho, foi concedida anistia e liberdade aos presos políticos, bem como foram anunciadas eleições para o final de 1945. Uma nova Assembleia Constituinte foi convocada com o objetivo de reformar as leis nacionais. Por fim, a censura foi proibida e uma nova reorganização partidária entrou em vigor. O PCB (Partido Comunista Brasileiro) voltou à legalidade, o PSD (Partido Social Democrático) ganhou vida por ser ligado à Vargas e possuir um viés mais conservador. A UDN (União Democrática Nacional) passou a ser oposição liberal a Vargas; era ligada ao capital estrangeiro. Por fim, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) aglutinou trabalhadores e sindicatos em torno de Vargas; daí nasce a alcunha de “Pai dos Pobres”. Vargas, nesse momento, já assume uma faceta nacionalista, afastando-se do rótulo de ditador. O PCB, junto com o PTB, apoia a candidatura de Vargas, já que era este considerado o “mal menor”. Chamamos esse momento de Queremismo.
Contados os votos, o General Dutra, ex-ministro de Vargas, vence as eleições.
A República Populista (1946 – atual)
Uma nova Constituição foi formulada em 1946. Ela garantiu a independência e o equilíbrio entre os poderes, além da autonomia dos estados e a garantia dos direitos individuais.
No contexto da Guerra Fria, o presidente Dutra rompe relações diplomáticas com a URSS e coloca, novamente, o PCB na ilegalidade a partir de uma Doutrina de Segurança Nacional.
Nesse momento é possível verificar também a forte influência do capital estrangeiro no Brasil, o que caracteriza a dependência brasileira.
Em 1951 Vargas vence eleições constitucionais através de uma dobradinha entre o PSD e o PTB. É um segundo mandato de Vargas, retomando o poder ainda mais nacionalista. Essa fase é importante porque é nesse período que se verifica a criação de um Frente de Intervenção Estatal com a fundação da Petrobrás em 1953. Desenhava-se no horizonte um Vargas diferente que logo assume seu nacionalismo também na área econômica. A Lei de Remessa de Lucros enviada ao Congresso limitaria em 10% o envio do lucro de empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil às suas matrizes no exterior. Em relação aos trabalhadores, seu Ministro João Goulart, dobra o salário mínimo, o que faz com que setores ligados ao capital estrangeiro organizem-se em torno da UDN contra Vargas.
Em agosto de 1954, a imprensa noticia o “crime da Rua Toneleiros”. Segundo a notícia, Carlos Lacerda, eloquente líder da UDN, teria sido vítima de uma tentativa de assassinato, onde o Major da Aeronáutica, Rubens Vaz, acabou morto. A guarda presidencial de Vargas foi acusada de envolvimento. Vargas foi forçado a renunciar, mas seu fim é o suicídio no dia 24 de agosto daquele ano.
A carta deixada por Vargas revela muito da instabilidade política que o Brasil vivia.
Com Vargas fora da cena política brasileira, o país passa por uma instabilidade muito grande. Em 16 meses, foram três Presidentes no cargo. Finalmente, em 1956, Juscelino Kubitschek é eleito.
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